domingo, 31 de janeiro de 2010

A omoplata na Verbo21

A revista V E R B O 21 (http://www.verbo21.com.br ) acaba de publicar o conto meu A OMOPLATA, ganhador do Prêmio Newton Sampaio 2009, promovido pela Secretaria de Cultura do Paraná. Abaixo o início do conto, seguido do link. Leiam lá, comentem e recomendem:

A omoplata

Por Marcus Vinícius Rodrigues

— E essa cicatriz?

Ele passou a mão pela omoplata esquerda do outro. Era um risco em diagonal. Começava perto do ombro, o esquerdo, e ia descendo e se aproximando da coluna. Ele estava deitado de costas na cama. O outro, de bruços sobre ele, as pernas sobre seu ombro direito, abraçado em suas pernas. Nus. Ele acariciava o corpo do outro, as coxas, a bunda, as costas, numa lenta preguiça.

— Parece que lhe arrancaram uma asa.

— Como é?

— É! A marca é certinha como se você tivesse uma asa aqui e alguém tivesse arrancado.

O outro riu.

— Asa?

Agora ele vai dizer que eu sou um anjo caído do céu, pensou o menino.

— Como um anjo. Alguém lhe arrancou essa asa e você caiu do céu, coitado.

O outro se virou e olhou para ele. Um olhar doce atrás dos cachos dos cabelos. Passou para debaixo de uma das pernas dele, como um gato dengoso, se enroscando mais ainda.

— Você me acha um anjo?

— Acho. Um anjo que caiu do céu.

— É?

O menino ficou esperando que ele falasse dos cachos.

— Um anjinho.

— Eu já fiz papel de anjo, na escola. O anjo da anunciação. Todo ano eu tinha de fazer. Eu nunca queria, mas as freiras me adulavam até eu aceitar. Eu ia lá e dizia que ela ia ter um filho de Deus.

— Aí ela dizia: mas eu não conheço o homem.

— Eu era pequeno, não sabia o que queria dizer isso. Ficava perguntando às freiras, mas elas não respondiam. Eu não entendia como Maria não sabia o que era um homem.

— Mas você ia lá e dizia tudo direitinho.

— Como um anjo.

— Também, com esses cachos.

O outro abriu um sorriso satisfeito. E riu mais ainda quando ele começou a morder levemente a sola de seu pé. Tentava escapar e não conseguia. Ele abriu suas pernas e começou a lambê-las, foi subindo pelas coxas até a bunda.

— Vem cá, Miguel Arcanjo!

O menino riu ainda mais.

— Olha, você escolheu o anjo errado.

— Por quê?

— Miguel não foi aquele anjo que expulsou Adão e Eva do Paraíso? Acho até que foi ele que pôs fogo em Sodoma, a espada flamejante. É melhor não chamar ele aqui não, viu?

— E se eu lhe chamar de anjinho safado, pode?

— Ou Gabriel.

— Gabriel?

—O anjo da anunciação, bobo. O inseminador.

— Inseminador? Você pensa umas coisas, cara.

— Mas não foi isso que aconteceu? A primeira inseminação artificial da história. Ou celestial, se você quiser.

— Não dá pra acreditar que você tá falando essas coisas.

O menino ficou sério, olhou para ele com gravidade.

— E se não foi nada disso. Já pensou? O anjo foi lá e resolveu tudo do jeito antigo. Afinal, eram os tempos antigos, não era?

— Como você é safado!

— Aprendi com as freiras.

— Então vem cá, safadinho. Eu quero mais do meu anjinho agora.

— Mais?

— É.

— Agora?

Ele balançou a cabeça num sim. O outro respondeu divertido.

— Eis aqui a serva do senhor. Fazei em mim segundo a sua vontade.

***

http://www.verbo21.com.br/v3/index.php?option=com_content&view=article&id=63:a-omoplata-marcus-vinicius-rodrigues&catid=46:tribuna-janeiro-2010&Itemid=68

Foto minha

4 comentários:

Gerana Damulakis disse...

Prêmio com mérito indiscutível e orgulho para nós, seus admiradores.

Grande conto!

Anônimo disse...

Olá, Marcus;

Recebi seu conto por email. Amei. Admiro quem sabe escrever tão bem. Vou "seguir" seu blog a partir de hoje. Gostei muito.

Abraços

Marcus Vinícius Rodrigues disse...

Obrigado, Marco Antonyo,

Seja bem vindo!!!

Nilson disse...

Bom demais, como disse no e-mail. Coisa para poucos, escrever assim. E tô te anexando lá no Blag!