segunda-feira, 30 de março de 2009

Entrevista minha na Diversos afins. Vejam a gentil introdução de Fabrício Brandão

PEQUENA SABATINA AO ARTISTA


Por Fabrício Brandão



Certos encontros, até mesmo os mais inesperados possíveis, costumam acrescentar seus ingredientes instigantes de descoberta e, por assim dizer, renovação de nossos repertórios de vida. Recordo-me que o momento de perceber as primeiras escutas em torno do escritor baiano Marcus Vinícius Rodrigues veio com a afirmação de que versos redefinem não apenas mistérios, mas também traços mais tênues e sublimes sobre quem realmente somos. O moço, a quem tomo a licença de nomear como poeta do imponderável, além de desfilar ideias sobre a sua intimidade com o universo literário, recitava seus curtos, porém incisivos versos embebidos em lembranças, afetos, enigmas e, sobretudo, ausências. 


O autor de Pequeno inventário das ausências (Fundação Casa de Jorge Amado), livro de poemas que lhe rendeu o Prêmio Copene de Literatura 2001, é hábil em construir signos que cativam pelo rico jogo de apelos sensoriais. Noutro momento, o poeta Marcus veste as túnicas de uma prosa regada a doses intensas de lirismo, alguma introspecção e um precioso percurso sob a ótica feminina, para nos servir sinfonias existenciais no belo 3 Vestidos e meu corpo nu (Coleção Cartas Bahianas – P 55 Edições). Um pouco de suas percepções, nuances criativas e sentimentos que movem linhas agora estão aqui, dispostos numa breve conversa. 


C O N T I N U A    NA    DIVERSOS AFINS http://www.diversos-afins.blogspot.com/


terça-feira, 24 de março de 2009

Sobre as árvores





Daqui de cima não dá pra ver nada que se passa na rua. Essas árvores atrapalham. Mas eu tinha de ver, Ivete. Como o meu Biju tem de descer todo dia, desci. A rua estava completamente engarrafada. Uma confusão! E não é comum, não. Nessa hora, engarrafa lá perto do Campo Grande por causa do caminhão de lixo. É! Onde já se viu fazer coleta de lixo no Corredor da Vitória às sete horas da noite? Hoje estava tudo engarrafado. Pudera! Duas festas, uma colada na outra. Tinha essa do casarão aqui em frente, um lançamento de livro, e outra no Museu Costa Pinto. Só podia dar no que deu. Quando eu desci, os convidados estavam chegando. As mulheres estão tão magras hoje em dia, hein, Ivete? E as roupas. Uns fiapos de pano. Não se usa mais isso de se vestir bem. Elas parecem uns mendigos. E os homens? Você acredita que vi vários de Jeans? Como é que deixam entrar eu não sei. O que foi essa Vitória, querida? Esses casarões davam festas maravilhosas, as pessoas vestidas com luxo, com glamour. Aí mesmo, no casarão. Quando a família morava aí, sempre tinha festas. E podia ser de quem fosse, era um desfile de gente chique, outra coisa! Agora eles fazem essas festas e vem um monte de gente que não tem nada a ver com o lugar. Isso de artista! Uma coisa é ler um livro, comprar um quadro, mas receber essas pessoas, eu não faria. Eu não sou rica, Ivete, mas sou de boa família. Sei quem se deve receber. Quando meu marido era vivo, eu freqüentava as melhores festas desta cidade. Era a esposa do Dr. Venâncio de Almeida, Juiz titular da Comarca de Itaparica. Foi lá que eu conheci muita gente da sociedade, nas casas de praia. Depois, ele foi transferido pra cá pra Salvador, um cartório horrível em Periperi. Eu disse: Venâncio, você vai se enterrar no subúrbio procurando pai pra menino remelento. Essa gente! Deixamos o convívio da boa sociedade. Vendemos a casa da ilha. Também, não ia adiantar ter casa lá ainda. Todo mundo que era de bem mudou. Agora é só Litoral Norte. A ilha está esquecida. Ficamos aqui, quase no fim da Vitória, nesse apartamento. Eu não troco meu apartamento por nada. Hoje em dia, eles custam uma fortuna e são tão pequenos.  Eu não tenho vista pro mar, mas também não tenho aquele calor da tarde, o sol invadindo os quartos. Aqui é uma brisa fresca. Uma maravilha. E tem esse rio de árvores pra gente ver. Como é lindo. E é melhor ficar no meu quarto, vendo a vista. Está tão violento lá embaixo. Hoje mesmo, com essas festas, você viu no que deu. Os ricos, os artistas lá bebericando seus uísques e seus salgadinhos. Salgadinhos, porque tenho certeza que não se faz mais canapés como antigamente. Hoje tem umas coisas que não sei não. Tem festa que tem até acarajé, Ivete. Comida de escravo. Eu gosto, acho típico, mas é comida de praia. Mais um pouco e vão servir caranguejo. Já pensou? As madames com um pauzinho quebrando a perna do bicho pra chupar aquela carninha pouca. Tudo está muito pouco nessa Bahia. Eu sei que no casarão não é assim. É um luxo lá dentro. Nunca entrei, mas eu sei. Tenho amigas que já foram a essas festas. No Museu, eu mesma já vi uma festa que servia acarajé. Um horror. Eles fazem uns bolinhos miúdos pra servir na bandeja. Quem quiser maior e com recheio, tem de pegar a fila da baiana. É um festival de boca brilhando do azeite de dendê! No tempo de meu Venâncio, a gente simplesmente iria embora de uma festa dessas.

Pois eu desci com meu Biju. O porteiro foi logo me dizendo que estava a maior confusão na rua, que era melhor eu não sair. Mas como eu não ia sair?  Do prédio não se vê nada. Pus o Biju no chão e falei pra ele. Ah, Seu Antônio, meu Biju não agüenta esperar não. Sabe como são essas crianças. E fui. Era uma confusão de carro e gente, nada de mais. O problema era com os guardadores de carro. Sabe aquele senhor que sempre fica aqui na porta? Aquele velhinho da muleta, um senhor de cor? Ele toma conta dos carros aqui na frente. Faz isso há anos.  Deve ganhar aqueles trocadinhos de nada, coitado.  Um dia ele me pediu um dinheiro. Era fim de ano e veio com aquela conversa de caixinha de Natal. Eu disse: mas, meu senhor, eu não tenho carro, pra que eu vou lhe dar dinheiro de caixinha? Falei assim mesmo. Depois eu fiquei arrependida, desci e levei uma coisinha pra ele. Era natal! Eu também fiquei um pouco apreensiva. Sei lá! Eu saio todo dia sozinha, só com meu Biju. Quem sabe o que esse homem pode fazer? Eu sei. É um velhinho, mas nunca se sabe. Nunca se sabia, hein, porque, depois de hoje...

Não é que apareceu outro guardador de carro? Um menino novo, forte, bom de arrumar um emprego. O velho eu entendo, ninguém ia querer ele pra trabalhar, mas o menino?! Era até bem apessoado, de presença, alvo. Mas muito violento com o velhinho. Queria tomar o lugar dele na rua. Começaram a brigar por um espaço de um carro. O velhinho dizia que era dele e o menino dizia que não. Uma vaga quase em frente ao Museu. Eu cheguei perto passeando o cachorro e eles estavam brigando lá naquela língua de baiano. Parece que tinham dividido as festas. O velhinho ficou com a do casarão e o menino ficou com o Museu. Eu achei injusto. O velhinho sempre cuidou daqui desde lá de baixo até o largo.  Só não cuidava dentro do largo porque não dá pra ver, mas tinha muito cliente. Quando o Mcdonalds enchia, sempre sobrava uns carros que estacionavam pra cá. Deu vontade de me meter, mas só fiquei olhando. O menino era assustador, dizia um monte de palavrões. Gente baixa mesmo. Teve uma hora que ele olhou pra mim. Achei que ia perguntar: o que é, minha tia? É assim que eles chamam a gente. Os mal-educados. Mas ele não disse nada. Olhou direto na minha mão esquerda, que segurava a correia do Biju. Na mesma hora eu puxei o cachorro pra mim, trocando a correia de mão. E não é que ele continuou olhando pra mão esquerda? Ele ficou de olho nas minhas alianças, a minha e a do falecido. Você sabe que eu uso as duas, a de Venâncio, mais folgada, eu prendo com a minha. Pensei em apertar, mas ia perder ouro. Achei melhor deixar como estava. Ficou um bom arranjo. Pois não é que o menino queria me roubar? Eu vi nos olhos dele, um menino alvo, Ivete, bom de estudar, trabalhar. Peguei Biju no colo e voltei pra porta do prédio.

Foi aí que a confusão começou mesmo. Graças a Deus, eu já estava segura. Um carro saiu. Foram os dois pedir o dinheiro. Ficaram discutindo na frente do carro do homem. Nem decidiam de quem era o dinheiro, nem saíam do caminho. O homem jogou o dinheiro no chão e, quando eles correram pra pegar, ele arrancou. Eu fazia a mesma coisa, mas ia tentar não jogar o dinheiro. Eu só arrancava. Eles se atracaram no chão pra pegar os trocados. Foi uma briga violenta o menino começou a espancar o velho bem na porta do museu. Estavam saindo uns convidados de paletó, uns homens até fortes. Quem disse que alguém apartou? Eles saíram de fininho. Ninguém queria se meter. No casarão ninguém saiu na porta pra ver, Ivete. Acho que nem perceberam. Nem lá dentro do museu. Era uma briga cá na rua, longe das bandejas de risoles e canudinhos. A briga acabou quando o velhinho acertou o menino com a muleta. Ele caiu no chão. O velho aproveitou e continuou dando muletadas no rapaz. Parecia uma fera atacando menino. Foi nessa hora que vieram outras pessoas e começaram a jogar pedras no velho. Não foi nenhum convidado, não. Apareceu um monte de morador de rua, saídos não sei de onde. Essa gente sai dos subterrâneos. Só pode. Nessa hora, eu subi. Não agüentei ver. Também, Ivete, isso não me diz respeito. Isso é lá briga deles. Agora tem barulho de polícia lá embaixo, tem ambulância e tudo. Já devem estar levando os dois. Fiz bem em subir. Daqui de cima não se vê nada. Essas árvores. Eu já avisei o porteiro: nem diga que eu estava aqui embaixo, viu? Eu, Ivete, me meter em briga de gente de rua? Pra quê? Agora, só desço amanhã pra apurar as coisas. O porteiro já me disse que, mesmo com tantas muletadas, o menino não sangrou. Ainda bem. Já pensou que desagradável descer amanhã e ver a mancha de sangue no asfalto? Justo no dia em que minha filha vem trazer minha netinha? Pelo menos, esses dois não aparecem mais aqui. Pena que logo vai ter outro guardador na rua. Na próxima festa era o caso de contratar manobrista. Acho tão chique. O que já foi essa Vitória, hein, Ivete? As alianças? Já guardei na caixinha de jóias. O tempo dos luxos já passou.


In Outras moradas

segunda-feira, 9 de março de 2009

Um corpo de verão

Um corpo de verão passeia

sob a pálpebra que cerra.

 

Eu sei.

 

Só de sonhá-lo, sei do abraço

e todos os hálitos que esperam.

 

Aguarda, tarde,

pára o sol sob as pálpebras

 

e saiba.

 

Sou eu o horizonte que basta.

domingo, 1 de março de 2009

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A ironia é o lirismo da desilusão. João do Rio.
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A ironia é uma forma elegante de ser mau. Berilo Neves.

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