domingo, 9 de junho de 2013

Cada dia sobre a terra: terça-feira




TERÇA-FEIRA


Os soldados marchavam em fila indiana pela via exclusiva para ônibus, mais alta que o nível da avenida, e usavam as fardas típicas da Tropa de Choque, com escudos e cassetetes. Já se aproximavam da estação de ônibus do Iguatemi, quando começou o coro: marcha soldado, cabeça de papel. Se não marchar direito, vai preso pro quartel... Um coro de adolescentes recebia com palmas os soldados. Eles não vieram de carro até ali porque todo o trânsito da região estava parado. Os estudantes tinham fechado a ligação entre a região do Iguatemi e a Avenida Paralela. Com cartazes pedindo a diminuição do valor das passagens de ônibus, eles invadiram as ruas e bloquearam o trânsito. Eram muitos e deitaram no chão, fizeram correntes humanas de braços dados, dançaram cantando músicas de roda, como crianças, e, agora, cantava para os soldados que chegavam. Tinha sido assim por cinco dias, desde que os protestos começaram, mal a nova tarifa foi anunciada.
Antônio se lembrava da primeira reunião no grêmio, os colegas falando em ir pra rua protestar, uma grande passeata até a prefeitura ou para a estação da Lapa, até que alguém teve a ideia de começar ali mesmo em frente à escola. Fechar o trânsito, parar tudo. Um grupo de alunos mais velhos tomou a frente e fechou a rua. Antônio os acompanhou, mas não se pode dizer que fazia parte do grupo. Acompanhava. Ia pelas beiradas, seguia. Foi assim que ficou na calçada, bem no meio fio, de onde seguia os gritos dos outros, as palmas e as músicas. Mesmo com tudo parado, ele não ultrapassava aquela linha que separava o lugar dos pedestres do lugar dos carros. Não podia avançar. Não se sentia capaz de mais um passo, de seguir além daquele ponto.
— Você não vai pro meio?
Lúcia, a Lucinha, lhe chamava. Ela só agora tinha chegado e já se entregava à manifestação, uma coragem sem estratégias. Apenas ia na corrente de colegas, dentro. Seguia e guiava. Chamava com as mãos o amigo de infância, parou até um instante para esperar, mas logo foi levada pelos outros que a abraçavam e sumiu-se no meio de todos.
Antônio ficou no meio fio durante toda a manifestação, até que a tarde acabasse e o cansaço se intrometesse na vontade dos colegas. Era, também, hora de voltar para casa. Aquela rebeldia toda limitada a uma tarde. Rebeldias vespertinas. Já no caminho de volta, eles ficaram sabendo que por toda a cidade, naquele dia, tinha acontecido algo parecido. Os estudantes tomavam as ruas e paravam os carros.
— Mas nós fizemos primeiro, disse Júlio, o aluno do terceiro ano.
Antônio olhava admirado o colega mais velho. Ele já ia sair do colégio e já trabalhava de manhã na lojinha do pai. Era um adulto. Antônio tinha acabado de chegar ao ensino médio. Estava no primeiro ano, mas ainda se sentia um menino de ginásio. Ainda não tinha dado o esticão de que sua avó tanto falava.
— Daqui a pouco esse menino dá um salto e fica maior que o pai.
Nessas horas, seu pai se enchia de orgulho antecipado
— A molecada de hoje cresce mais rápido. Também, comendo com comem!
 Dizia isso e botava seu quepe de militar na cabeça do menino, enfiando de propósito até cobrir os olhos do garoto para depois sacudir a cabeça. Era o gesto máximo de carinho que podia fazer, agora que o filho estava mais crescido. Era um homem, ele dizia, e homem não abraça. Nem sempre foi assim. Quando criança, o pai o carregava para todo canto, no colo ou debaixo do braço como se fosse um embrulho, ou nos ombros. Antônio gostava de ficar assim mais alto que todo mundo. Nos ombros do pai estava protegido e podia roubar os bonés dos irmãos mais velhos.
— Deixa seu irmão. Ele é criança.
Era só isso que ele falava quando os irmãos vinham tentar tomar os bonés de volta ou quando tentavam revidar. E ele roubava o boné de um dos irmãos e passava o dia inteiro tentando equilibrar na cabeça, ainda pequena. A todo momento ele lhe caía nos olhos. Ficava assim até o irmão conseguir tomar de volta. No dia seguinte, tudo de novo.
Quando os irmãos resolveram esconder os bonés no alto do guarda-roupa, o pequeno Antônio não teve medos. Subiu pelo beliche e de lá saltou para o alto do móvel. Nada o impediu de seguir seu desejo e ter o que queria. Lá em cima, deu-se conta de que não saberia descer. Só então chamou a mãe. Naquele dia, ficou de castigo e finalmente foi proibido de pegar os bonés dos irmãos. Antônio lembra que chorou o dia inteiro, até vir o pai. Foi nesse dia que ele lhe ensinou a fazer chapéus de soldado, daqueles em que se dobra um papel várias vezes até formar um triângulo que se abre para colocar a cabeça. Um chapéu que, se você erra o caminho nas dobraduras, pode virar um barco. Era o que ele fazia nos dias de chuva. Abandonava os chapéus e fazia barquinhos para deixar correr nas águas que desciam a rua até lá embaixo na esquina que se dobrava pra esquerda e descia até a avenida. Mas todo tempo tinha um chapéu de jornal montado, uma espada de madeira e uma música na cabeça. Aquela mesma que os colegas cantavam agora em plena rua. Ele, na calçada de novo.
Tinha vindo com Lucinha que lhe carregava pra todo canto. No domingo ela tinha se enfiado em sua casa a tarde toda. Queria estudar com ele tirar dúvidas de matemática e de física. Por isso ficaram a tarde inteira no quarto.
— Quem inventou isso, meu Deus? Pra quê?
Ela suspirou e jogou o livro no colo de Antônio. Calmamente, ele explicou cada parte do problema e montou a fórmula como o professor tinha ensinado.
— Viu como é fácil?!
Ela colocou o dedo indicador na cabeça dele e ficou cutucando de leve.
— Tontinho, você é demais.
O dedo desceu para o pescoço, ainda cutucando levemente. Depois desceu mais ainda, até que ela passou a fazer cócegas no garoto.  Ele tentava se desvencilhar sem conseguir, ela pulou em cima dele e continuou na operação, ele segurou seus braços, mas ainda assim ela continuava. Apenas quando ele pulou fora da cama ela desistiu. Ele a sentia muito próxima nessas horas, uma proximidade que lembrava os tempos de criança, os dois juntos o tempo todo, como naquela foto da bacia, os dois bebês ainda, tomando banho juntos. Era assim que ele a via, sem mais que isso, ou assim pensava. Ficava tímido. Não sabia ao certo quando tinha deixado de ser extrovertido, alegre, corajoso. Sabia apenas que não queria falar com ela do que se passava com ele. As mudanças todas. Está ficando homem, dizia o pai, mas não sabia bem como fazer isso. Os irmãos, mais velhos, estavam sempre muito mais adiantados no crescimento. Eram adultos agora. O pai lhe cobrava uma namorada. Às vezes queria que ele não brincasse mais com a amiga, às vezes perguntava se estavam namorando. Namoro ou amizade? Perguntava. Homem não é amigo de mulher. Antônio nada dizia.
Lucinha, por outro lado, parecia que tinha nascido pra ser adulta. Quando começou a ter peito, não escondeu. Ela não escondia nada. Na aula de biologia foi a primeira a falar como seu corpo tina mudado. A desculpa era falar que sentia dores na barriga, cólicas.
— Isso é normal, professor? Só porque menstruei?
Ela não sentia nada. Queria apenas exibir a novidade, contar detalhes, mostrar que já era mulher. As outras meninas todas envergonhadas. Ele, envergonhado. Ainda mais quando diziam que ele era o namoradinho dela. Assim diziam as meninas, já os meninos, diante de seu jeito tímido, perguntavam como seu paia fazia.
— É namoro ou amizade?
Todas as insinuações feitas na simples frase.
Se ele fosse ainda criança, teria respondido com um pontapé para cada pergunta. Era muito brigão quando era pequeno. Valente. Gostava de brincar de guerra com os meninos da rua. Brigava com quem se metesse com ele. Viveu assim até que aos onze anos sua mãe resolveu lhe oferecer para apadrinhamento. Teria seu padrinho, senhor da guerra, para guiar seus impulsos, acalmar seus ânimos de brigar e protegê-lo dos inimigos que criava.
Foi levado à casa de uma vizinha do bairro, bem no fim de linha do Pernambués. A casa era no final de uma pequena avenida, numa encosta, uma casa normal. Abaixo da cozinha, como um porão, a mulher tinha um lugar em que guardava seus santos. Era como se fosse uma pequena casa com sala, quarto, banheiro e cozinha, tudo pequeno, espremido entre a casa grande em cima e um quintal que e descia a encosta. Dali se podia ver lá embaixo no vale uma horta verde, toda retinha entre as casas que rareavam no meio do mato. Antônio foi então oferecido ao santo, entre rezas e cantos e incensos. Em meio à cantoria, a velha senhora se debruçou sobre o menino. A voz tinha mudado, os olhos semicerrados sequer o viam. O abraço veio ríspido. Um abraço apertado em que lhe disse no ouvido uma série de coisas que o menino, assustado, não conseguiu lembrar mais depois que saiu dali. Não dormiu bem aquela noite, apavorado com as palavras. Vinha o sonho um homem alto, negro, mais alto e mais negro que o pai. Vinha nu.  O menino tentava ver seu rosto e não conseguia. A cabeça ficava distante, mais alta. Queria ver também no meio das pernas, mas sempre que fixava ali o olhar, sua vista escurecia e parecia que via um abismo, como o poço na casa da avó. Vinha a voz e repetia as palavras da velha, uma voz forte de homem e, então, o menino acordava.
Ficou assim um tempo, ouvindo em todo canto aquela voz. E era tão nítido o que ela dizia, tão claro como o sol, e quando acabava, já não conseguia repetir. Tinha a sensação de que a qualquer momento podia voltar toda a memória, tudo tão na ponta da língua, como o nome de um artista muito famoso que a gente esquece de repente. Algo tão perto e tão familiar e que não se pode alcançar. Era assim que se sentia sempre que estava na rua. Ouvia, entendia e não lembrava. Um dia, voltando da escola, viu-se, sem saber, no caminho contrário ao de casa. Não conseguiu compreender como tinha se distraído e seguido por ali.  Aconteceu como acontece às vezes com alguém que faz sempre o mesmo caminho e que, tendo de fazer um caminho diferente, se distrai e faz o caminho habitual, só se dando conta quando já vai longe no erro. Assim aconteceu com ele, mas ao contrário.
O que pode pensar uma criança que não sabe aonde vai, que mira um lugar a seguir e, distraído, aparece em outra rua ou numa praça longe de casa? Antônio ficou com medo de si mesmo, de ser levado a algum lugar perigoso. Não sabia o que fazer com aquilo que lhe acontecia. Retraiu-se. De menino levado virou um adolescente retraído. Aos poucos foi se afastando do pai. Não era mais a criança dos afagos e não virou o companheiro que ele esperava que surgisse com a idade. O filho caminhou para o outro lado. Abandonou a rua e trancou-se no quarto, refugiou-se nos livros da escola, esses mesmos livros que Lucinha lhe jogava no colo, como quem joga uma isca ao peixe. Queria tê-lo novamente como companheiro de brinquedos e aventuras, queria, talvez, experimentar tê-lo como namorado, mas ele se esquivava de todas as suas investidas. Não se afastava inteiramente, apenas mantinha-se a uma distância segura, ainda o amigo, mas atrás, seguindo-a de perto. Foi assim que ele a seguiu aquela terça-feira à tarde pela ladeira que liga o fim de linha do bairro ao Iguatemi. Os colegas da escola queriam parar o trânsito lá embaixo, por onde todo mundo passava, onde todo mundo via.
Lucinha lhe chamou decidida. Queria ir, mas queria ir com ele. Que graça tinha tudo aquilo sem ele ao lado. Ele ainda tentou argumentar sobre o risco. O movimento tinha crescido tanto, na televisão só se falava em botar a polícia para dispersar os estudantes. Tinha isolado o centro, a estação da Lapa, mas de nada adiantou. Era difícil prever de onde viria um novo bloqueio. A polícia não dava conta, era verdade, mas se chegasse para abrir caminho, não ia parar antes de conseguir. Não ia acabar bem
— Vai todo mundo preso. E daí?
— Daí que eles podem nem prender a gente. Podem bater.
Ela perguntou se ele tinha medo. Com a pergunta vinha um olhar duro que o imprensava numa parede imaginária. Ele precisou dizer que não, que não tinha medo, que não era de ter medo. Disse rápido, sem pensar muito naquilo que dizia para não se trair. Se pensasse que tinha de fingir que acreditava no que dizia, não ia conseguir.  Disse não e com esse não liberou um sim apara Lucinha, um sim que parecia maior que o momento que viviam. Ela sorriu e o agarrou pelo braço. Sentia-se liberada para tudo. Tinha recebido um sim, uma permissão que há tempos não recebia do amigo de infância, do namorado que queria.
Os estudante já estavam todos reunidos na esquina do posto de saúde. Dali desceriam a ladeira em direção ao Iguatemi, iam decididos, em algazarra completa. Quando passaram pelos motéis lá embaixo, os meninos resolveram puxar algumas meninas como se fossem entrar com elas recepção a dentro. Algumas brincavam também e iam até a porta, outras fugiam envergonhadas. Antônio só olhou para Lucinha e riu.
— E aí, Tontinho?! Não me convida?
Ele ficou envergonhado. O rosto todo vermelho. O corpo suava dizer que não pensava nessas coisas não era verdade. Pensava. Mas com Lucinha os pensamentos eram confusos. Não sabia bem o que sentir. Não olhava para ela como olhava para as outras meninas, não fantasiava sexo com ela, mas não podia se imaginar sem ela. Era como se ela fosse sagrada. Para responder à brincadeira dela, brincou também.
— Você merece coisa melhor, suíte de luxo.
— Hum! Tô podendo!
Ela riu e fez um ar orgulhoso. Nesse momento outras meninas a levaram. Formou-se um grupo de meninas que corria na frente para fugir dos meninos. Elas faziam sua parte no jogo.
A frase de Antônio foi a melhor resposta que ele podia ter dado a si mesmo. Coisa melhor. Era de outra natureza o que sentia por Lucinha, algo ainda mais difícil do que o que tinha sido despertado nele com a idade. Ainda era preciso entender, mas gostava de saber que tinha isso dentro de si.
Correu com os colegas atrás das meninas, passaram pela madeireira, foram até a rodoviária e alcançaram a passarela. Estavam perto.  Alguns deles queriam parar o trânsito ali mesmo.
— Aqui não. Do lado de lá, em frente ao shopping.
Alguém falou com voz de comando. Eles atravessaram a passarela já cantando palavras de ordem. Não havia nenhum carro da polícia à vista. Desceram em frente ao shopping e se posicionaram bem embaixo da passarela. Ali é que começaram a invadir a rua. Quando o sinal fechou lá adiante, aproveitaram para marchar para o meio, todos de mão dadas. Gritavam contra a tarifa alta, cantavam, dançavam. O trânsito aguardava. Os carros aguardavam. A eles se juntaram outros estudantes, vindos não se sabe de onde. Alguém teve a ideia de fazer brincadeiras de roda. Ciranda, cirandinha... deram-se as mãos e rodaram. Depois, ainda em roda, soltaram as mãos e cantaram sambas... quem entrou na roda... Lucinha foi a primeira a ir para o centro. Sambava com passinhos miudinhos para trás, segurava com as mãos uma saia imaginária e girava. Na hora de chamar outro para a roda, procurou Antônio, seu Tontinho. Ele podia vê-la de longe em sua busca. Ela desistiu e chamou uma amiga. Voltou ao círculo e continuou batendo palmas. Antônio não estava com eles. Continuava no meio fio, na fronteira dos pedestres. Apenas observava toda a algazarra. Não sabia como atravessar aquela barreira.
Foi então que vieram os soldados marchando pela via exclusiva dos ônibus, vieram com seus cassetetes, que batiam nos escudos em ritmo marcial, um sincopado ensurdecedor, como que anunciando o que fariam se não fossem obedecidos. Os estudantes, porém, começaram a cantar e bater palmas: marcha soldado, cabeça de papel. Se não marchar direito, vai preso pro quartel... Cantavam cada vez mais alto, abafando o som dos escudos. Ficaram assim alguns minutos, num duelo de sons, até que os soldados pararam de bater os cassetetes. Uma ordem do comandante e eles desceram e se enfileiraram em frente aos carros. Dava para ver que a ordem era dispersar todo mundo, liberar o trânsito. Um policial tentava se fazer ouvir pelos estudantes, mas eles continuavam a dançar e cantar. Foi nesse momento que uma moto passou entre os carros e avançou. Por uma brecha entre os soldados e os jovens, ela avançou. Ninguém pareceu perceber o que acontecia, apenas Antônio, de longe, parecia ver o que ia acontecer. A moto se lançava de encontro a Lucinha, que dançava distraída.
Neste momento, Antônio se lembrou da voz da velha senhora em seu ouvido, bem perto e sussurrado, o padrinho lhe prometendo estar sempre presente, ao seu lado, para a luta que viria. Sempre vem uma luta, meu filho, cada dia sobre a terra deve ser vencido como numa guerra. É preciso pisar firme, os pés sabem. Tudo voltava na lembrança do rapaz, as caminhadas perdidas, o chamado que ouvia. Sentiu nas pernas uma sensação que nunca tinha experimentado, uma calor, uma força nova, que o fez correr muito rápido. Saltou para além do meio fio sem mesmo pensar o que ia fazer. Ninguém percebeu bem que ele chegava, apenas viram que a moto caía no chão, tombada de lado, e rodopiava sem seu piloto. Ali, mais adiante, Antônio o segurava. Ninguém viu que ele tinha saltado sobre a moto, com um pé na roda dianteira desviou a direção, e ainda puxou o piloto. Com outro rumo, agora, a moto atingiu um policial nas pernas. Fez-se o caos. Os estudantes avançaram para a tropa com mochilas e cadernos. Os soldados só se defendiam, surpresos. Lucinha também avançou, mas foi impedia por Antônio que lhe segurou pelo braço e a arrastou para a calçada.
— Vai pra casa!
Ela quis responder, brigar, mas ele falava com uma voz firme, grossa, voz de adulto em comando.
— Vai!!!
Ela correu para a passarela. De lá, viu Antônio, seu Tontinho, voltando para a confusão. Ele não enfrentava a polícia, apenas tirava, um a um, seus colegas da briga. Arrastava pra longe, brigava, até batia, mas não deixava que voltassem. Ela viu ele fazer isso várias vezes, até que chegou mais policiais e os estudantes começaram a se dispersar. Antônio e seus amigos fugiram pulando as grades da via exclusiva para ônibus. Do alto, Lucinha seguia atrás deles, enquanto observava admirada como Antônio liderava o grupo, esperando que cada um saltasse as grades para só então seguir e avançar e escolher por onde ir e indicar aos outros e esperar todos passarem de novo. Ele guiava e protegia, à frente ou atrás, conforme sentia que devia ser. Quando ela chegou ao outro lado da passarela, ele estava esperando.
— Vamos!
Ele a pegou pela mão e começou a correr. Ela só podia acompanhar. De vez em quando, olhava para ele, que seguia sério, olhando para frente.
Antônio não sentia nada de especial, como se aquela explosão de seus músculos e de sua voz estivesse sempre ali. Não se sentia mais velho, mais forte ou adulto e podia até imaginar que aquilo era uma grande brincadeira e que usava um belo chapéu feito de papel de jornal.