Meu amor não me beija os pés.
Ele morde meus calcanhares.
Eu nunca escapo, embora tente,
e quase sempre engasgo
de também o ter entre os dentes.

Tive muito que rir hoje ao telefone
e nada pude responder ao meu amor.
Vigiavam-me olhos virgens
incapazes de entender meu riso.
É que me contava o meu amor,
como se não tivesse eu vivido,
a última tarde em minha casa,
uma festa, ele escondido
fazendo-me prazeres impróprios
a uma casa repleta de amigos.
Agora mesmo o meu amor está mentindo
e maldiz uma viagem de trabalho.
Mas sou eu quem o espera rindo,
bendizendo minhas férias.
Vou tirar férias de mentir
que não sou feliz nem amado
e vou contar a todo estranho
que este é o amor ao meu lado.
Nossos passeios de mãos dadas
não terão registros em retratos.
Serão lembranças clandestinas,
segredos de apaixonados.
Meu amor me ensina a andar de bicicleta,
o equilíbrio delicado da aventura.
Ele segura firme e me ampara
quando hesito e ameaço a queda.
O vento no rosto, o chão fugindo sob os pés,
tudo me engole em vertigens.
Quando, cansados, deitamos à sombra de uma árvore,
as nuvens tontas de nossa festa na relva,
sou eu quem ensina, professor aplicado,
a verdadeira arte: de se qui li brar-se.
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