terça-feira, 11 de setembro de 2012

COMO FAZER UM CIGARRO DE MACONHA



Era uma noite em Recife. Eu estava na casa de amigos no bairro de Boa Vista. Estava ali hospedado, em férias, e acontecia uma festa. Em determinado momento, alguns amigos foram para o quarto. Hoje eu sei, mas àquela época não, que este sutil movimento dos cantos, o êxodo silencioso para os quartos, a súbita discrição, esse reconhecimento ancestral de pessoas que mal se conhecem, um entendimento tácito dos olhares, todos esses índices conduzem a um único ponto. Desatento que era e sou, fui também ao quarto. Lá estavam os amigos desembrulhando um pedaço de jornal com a maconha. Fiquei por ali olhando entre curioso e cansado. Não tenho nenhuma curiosidade por drogas, assim como não gosto de álcool, que me dá sensações desagradáveis. Não gosto desse tipo de embriaguez. É apenas não gostar, como quem escolhe andar pela esquerda e não pela direita... ou, talvez, um fastio, uma birra, como a que me fez recusar a chupeta quando criança. Minha mãe conta que a minha rasgou, não acharam outra igual. Veio uma maior, outra menor, sempre diferentes. Recusei todas. Talvez isso, talvez nada disso. O desejo de explicar tudo é a primeira prepotência humana.
Eu estava lá, olhando a intrincada operação de fazer um cigarro de maconha. Devia ser algo muito difícil, pois todas as tentativas resultavam em desastres. Os cigarros eram tortos, uma hora cheios demais, em outras, desfaziam-se.  Foi então que eu disse: eu sei fazer cigarros.
Eles não acreditaram. Eu, que nem bebia, ia fazer os cigarros?
O fato é que eu sabia. E muito bem.
Nunca gostei de fumar cigarros, apesar de todos na minha família fumarem. Decididamente, neste aspecto não sou fruto do meio. Algumas vezes, quando minha mãe me pedia para ir buscar a carteira de cigarros, eu acendia e já trazia acesso. Recebia uma bronca leve, sem muita convicção e pronto. Tentei umas vezes, mas não gostei.  Gostar ou não de alguma coisa talvez dependa dessas pequenas experiências na infância. Lembro que levei minha adolescência inteira sem gostar de creme de leite. Tinha ânsias de vômito só de pensar. Até que um dia, sabendo que ele compunha a receita de um doce, passei a vê-lo com melhores olhos, ou paladar.  Os enjoos passaram. Nada mais natural, já que os doces são as minhas drogas com seus males e prazeres e contra os quais luto diariamente.
Quanto aos cigarros, aprendi a fazer na adolescência. Tinha um avô que fumava cigarro de palha, com fumo de rolo, daqueles comprados na feira. Ele não podia fazer sozinho. Já estava velhinho. Aliás, desde que me lembro, ele era assim. Ele não tinha movimento de um dos braços, por causa de um tiro que sofreu numa emboscada de um ex-capataz, uma história a ser contada em outra oportunidade. Eram os tempos mais selvagens do sul da Bahia. Ele também já estava completamente surdo, um mal mais prosaico, causado pelo destino dos genes. Bem, desde muito pequeno, eu tinha de sentar a seu lado. Ele, naquelas cadeiras de lona de diretor de cinema americano, tão comuns no interior, eu, num banquinho.  Tinha de tirar pedaços de fumo do rolo, fatias finas, depois colocava uma quantidade na mão e esfarelava, ou desfiava, como se desfia frango cozido.  Fazia isso na palma da mão, que guardava aquele cheiro por dias.  Pegava o papel de fumo e colocava uma porção exata. O segredo era essa quantidade, que dava um cigarro na medida certa. Com a prática, eu fazia todos os cigarros iguaizinhos. Depois, era preciso enrolar o papel. Primeiro, o papel ainda apenas dobrado, fazia a quantidade de fumo ganhar a forma certa. Só então enrolava o papel, usando o canivete para prender a ponta interna dentro do rolo, da espiral que seria feita. Com saliva fazia-o colar. Ainda com o canivete, empurrava a pontinha dos canudos de fumo para dentro, fechado o cigarro nas duas pontas.
Com as variações necessárias, fiz lá os cigarros de maconha. Ficaram bons na medida do possível que o papel não era o adequado. Havia muito improviso naquela noite. Logo eles acenderam o cigarro, que passou de mão em mão. A fumaça subindo espessa fazendo círculos que se transformavam em espirais, mas que se embolavam no caminho e se espalhavam como um borrão branco. Aos poucos a conversa seguiu o mesmo caminho, os assuntos circulavam em torno da roda, enrodilhavam-se na tentativa da espiral ascendente e logo se desfaziam numa massa informe de risadas. Novamente, uma tragada, nova baforada de ideias, formava-se a primeira curva da espiral, a segunda; mas, de novo, o borrão. Outra tentativa, outra e outra e agora nem mesmo a primeira curva se formava. Tudo era apenas borrão. Desinteressei-me, saí do quarto. Eles ficaram lá dentro esfumaçados e vagos em suas dissipações.

2 comentários:

Anônimo disse...

Nossa! Divertiu horrores meu fim de madrugada ao ler isso, muito bom! Fiquei imaginando o senhor, como meu mestre e professor, bolando um cigarrinho desses. Mas, ri mesmo ao imaginar a sua expressão facial que é melhor! Foi realmente cômico! Adorei o blog! Aguardo mais postagens. Acompanharei diariamente!

Um grande abraço!

Anônimo disse...

Texto excepcional, tinha que ser escrito por ti Marcus. Forte abraço!!! Parabéns!