domingo, 1 de março de 2015

CINCO POEMAS CEGOS






UM

O barco perdido na madrugada
não sabe se vai no rio ou já é mar

e, por não saber assim quase nada
do que deixou e do que encontrará,

faz de destino as águas que navega,
faz de seu fim, porto, seguir às cegas.



DOIS

Se todas as portas da praça
estão para nós abertas,

as fugas possíveis todas;
se o dia de tão claro cega

esse olhar que em volta vaga,
por que vai assim aqui dentro

as galés de um sentimento
de que a vida está trancada?



TRÊS

Pelo jardim a formiga
herda de mim a cegueira.

Ela perdeu-se da fila
e num mundo em que poeira

são montanhas e avalanches
a formiga, sem a linha

que lhe diz trilha certeira,
não mais volta nem mais segue.

Eu brinco com a formiga.
Somos dois seres entregues.



QUATRO

Chamam luz
das artérias
esse vão,
a passagem
em que o sangue
corre a vida.

A corrida
é vermelha
sem chegada
ou partida.

Gira cega
pelo corpo,
até a morte,
infinita.



CINCO

nunca os olhos nus
míope que sempre fui

sempre através
atrás

das grades
das lentes

vida refratada
ou escura

sempre a fratura
fissura e fissão

núcleo da vida






Escritos entre 23/02/2015 e 25/02/2015

Nenhum comentário: