segunda-feira, 25 de março de 2013

O ESCRITOR É UM MENTIROSO


Eu queria falar das técnicas para prender o leitor, mas, enquanto abria o computador, o texto avançou na minha cabeça e acabei concluindo o que diz o título. Comecemos do começo:
 
 Ab ovo: Como agarrar um leitor.
 
 
Tenho refletido muito sobre esse conflito entre a experimentação da linguagem e a contação da história. Há uma preocupação muito grande com isso hoje em dia e aqui no Brasil principalmente. Temos uma tradição de uma linguagem bem cuidada e de se buscar experiências inovadoras. A sombra é muito grande e espessa sobre os novos escritores. Cito apenas três de nossos grandes: Machado, Rosa, Clarice.  Nossa medida de qualidade tem de se posicionar diante dessa régua impossível.
 
 
E, assim, muitos escritores se lançam na experimentação e esquece o leitor. Como todos sabem, apesar de termos esses grandes escritores, o país não foi treinado para lê-los. Há uma dificuldade generalizada para ler frases simples e diretas. As invencionices do escritores? Nem pensar.  
 
 
Então, é preciso pensar estratégias para agarrar o leitor no começo do texto.  Veja! Não digo seduzir. Digo agarrar, pelo cabelo, pelo pescoço, e conduzi-lo até a última página. Aí, sim, no meio do caminho, enlouquecer na linguagem.
 
 
A melhor técnica para fazer isso, na minha opinião, é a in media res (no meio das coisas). Aprendi essa técnica com lendo Lygia Fagundes Telles e foi Suênio campos de Lucena quem ma nomeou. É simples, começa-se do meio, do momento mais tenso, e retorna-se em flashback. Volta-se até o meio e caminha-se me velocidade para o final. A outra possibilidade é fazer do início: ab ovo (desde o ovo) ou ab initio. Nesse caso é preciso ter um bom começo.

 
Fiz in media res muitas vezes. Depois, por me dar conta de que fazia, forcei-me a não fazer. Nesse meu último livro (inédito), a maioria dos contos não usa a técnica. Eu estava pensando isso ali deitado, quando resolvi escrever sobre. Mas o pensamento andou e acabei me dando conta de que estava mentindo. Os contos estão na cronologia certa, mas o livro não. É um livro de contos que acompanha a vida de quatro ou cinco personagens. É um quase romance — tem protagonista e tudo, mas em forma de contos. Acontece que datei os contos, que vão de 1964 até 1978. E não é que eu começo em 1976? In media res.

Eu sou um mentiroso.
 
 
E já minto faz tempo.

No meu primeiro livrinho de contos, o 3 vestidos e meu corpo nu, também minto. Os 3 vestidos são contos inspirados/influenciados por escritoras. Há epígrafes explicitando. O quarto conto, A noite de cada um, faz as vezes do “corpo nu”, o escritor sem influências. Tudo mentira. É o conto mais intertextual: desde o título, “roubado” de Julien Green, que por sua vez se inspirou em um verso de Victor Hugo.

Literatura é um jogo de esconder. Queria muito saber como meus amigos escritores montam seus textos. O que está escondido nos bastidores.

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