Eu queria falar das técnicas para prender o leitor, mas, enquanto
abria o computador, o texto avançou na minha cabeça e acabei concluindo o que
diz o título. Comecemos do começo:
Ab ovo: Como
agarrar um leitor.
Tenho refletido muito sobre esse conflito entre a experimentação
da linguagem e a contação da história. Há uma preocupação muito grande com isso
hoje em dia e aqui no Brasil principalmente. Temos uma tradição de uma
linguagem bem cuidada e de se buscar experiências inovadoras. A sombra é muito
grande e espessa sobre os novos escritores. Cito apenas três de nossos grandes:
Machado, Rosa, Clarice. Nossa medida de
qualidade tem de se posicionar diante dessa régua impossível.
E, assim, muitos escritores se lançam na experimentação e
esquece o leitor. Como todos sabem, apesar de termos esses grandes escritores, o
país não foi treinado para lê-los. Há uma dificuldade generalizada para ler
frases simples e diretas. As invencionices do escritores? Nem pensar.
Então, é preciso pensar estratégias para agarrar o leitor no
começo do texto. Veja! Não digo seduzir.
Digo agarrar, pelo cabelo, pelo pescoço, e conduzi-lo até a última página. Aí,
sim, no meio do caminho, enlouquecer na linguagem.
A melhor técnica para fazer isso, na minha opinião, é a in media res (no meio das coisas). Aprendi
essa técnica com lendo Lygia Fagundes Telles e foi Suênio campos de Lucena quem
ma nomeou. É simples, começa-se do meio, do momento mais tenso, e retorna-se em
flashback. Volta-se até o meio e caminha-se me velocidade para o final. A outra
possibilidade é fazer do início: ab ovo
(desde o ovo) ou ab initio. Nesse
caso é preciso ter um bom começo.
Fiz in media res
muitas vezes. Depois, por me dar conta de que fazia, forcei-me a não fazer.
Nesse meu último livro (inédito), a maioria dos contos não usa a técnica. Eu estava
pensando isso ali deitado, quando resolvi escrever sobre. Mas o pensamento
andou e acabei me dando conta de que estava mentindo. Os contos estão na
cronologia certa, mas o livro não. É um livro de contos que acompanha a vida de
quatro ou cinco personagens. É um quase romance — tem protagonista e tudo, mas
em forma de contos. Acontece que datei os contos, que vão de 1964 até 1978. E
não é que eu começo em 1976? In media res.
Eu sou um mentiroso.
E já minto faz tempo.
No meu primeiro livrinho de contos, o 3 vestidos e meu corpo nu, também minto. Os 3 vestidos são contos
inspirados/influenciados por escritoras. Há epígrafes explicitando. O quarto
conto, A noite de cada um, faz as
vezes do “corpo nu”, o escritor sem influências. Tudo mentira. É o conto mais
intertextual: desde o título, “roubado” de Julien Green, que por sua vez se
inspirou em um verso de Victor Hugo.
Literatura é um jogo de esconder. Queria muito saber como
meus amigos escritores montam seus textos. O que está escondido nos bastidores.